“O preconceito é uma barreira”

Fonte: CARAVANA DA AVENTURA

Texto: Edu Carvalho

Érica Nunes, da Sociedade Brasileira de Espeleologia, fala sobre o árduo trabalho para garantir a acessibilidade dos cadeirantes às cavernas

Todos têm o direito de se aventurar, porém algumas pessoas apresentam necessidades especiais para que possam desfrutar do ambiente natural. Isso se torna um problema na maioria dos casos. Diante disso, o Caravana da Aventura conversou com Érica Nunes, que é formada em Biomedicina e uma apaixonada por cavernas. Ela é especialista quando o assunto é acessibilidade em cavernas.

“Estes ambientes são locais encantadores, únicos, e ninguém tem o direito de destruí-las”, costuma dizer a todos que perguntam sobre as cavidades.

Érica é cadeirante e trabalha com espeleoinclusão há sete anos na Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE).

Visitar cavernas é um desafio para os deficientes físicos - Foto: Teresa Arago

Érica Nunes – A SBE tem uma seção que cuida do espeleoturismo, coordenada por Heros Lobo. Dentro dela, eu sou encarregada, desde 2005, de liderar a Comissão de Espeleoinclusão. Tenho o desafio de criar métodos para avaliar cavernas e parques em relação à acessibilidade. No inicio pensamos em cadeirantes, mas depois percebemos que poderíamos agregar os deficientes visuais, intelectuais, auditivos, pessoas da terceira idade e com mobilidade reduzida.

Erica faz parte da Sociedade Brasileira de Espeleologia - Foto: Teresa Arago

Como é feito este trabalho?

Bom, o primeiro desafio, claro, é viajar até o local onde as cavernas se encontram. Depois conhecer todo o cenário do parque, dos atrativos, a caverna em si e tudo que contempla para então identificar as possibilidades e a problemática de cada uma delas.

E essa avalição, como é realizada?

Para tal avaliação uso ferramentas indicadoras de acessibilidade, que vêm sendo melhoradas até hoje devido a sua complexidade. O que fazemos, então, é criar métodos de acessibilidade para que o portador de necessidades especiais ou amigos e parentes deles possam chegar e visitar tranquilamente o parque e a caverna sem descaracterizar nada, desfrutando de um ambiente natural.

A cadeirante avalia a acessibilidade dos locais - Foto: Teresa Arago

Quais as principais barreiras a serem quebradas na espeleoinclusão no Brasil?

Lembro-me como se fosse hoje de uma pessoa me dizendo que eu jamais entraria em uma caverna porque eu não ando. Guardei isso por bons anos até provar que conseguiria sim. De imediato a primeira barreira é quebrar preconceitos que geram esse tipo de pensamento. Alguns espeleólogos também achavam loucura levar uma cadeirante para dentro de caverna.

Este fato ocorre também com o pensamento das pessoas com necessidades especiais, uma vez que elas têm medo de se machucar.

Há também as barreiras técnicas, equipamentos adequados às necessidades dos portadores de deficiência, como cadeiras de rodas mais resistentes para ambiente natural, cadeirinha de rapel adaptada para que alguém possa ser carregado por um monitor. Mas já estamos vencendo algumas barreiras, como ganhar a confiança do público alvo e diretores de parques, e incentivar investidores a colocar recursos na área.

Já existe por aqui alguma caverna que possa ser visitada facilmente por pessoas com mobilidade reduzida?

Se pensarmos em cadeirantes, eu diria que existem duas formas de visitação: na cadeira de rodas e fora da cadeira de rodas e desta maneira poderíamos definir as cavernas.

Para cadeirantes, a cavidade artificial “Gruta do Anjo”, em Socorro (SP), é uma boa opção. Infelizmente ainda não há estrutura para as pessoas com outros tipos de mobilidade reduzida, mas estamos trabalhando as possibilidades e aperfeiçoando os estudos para que a acessibilidade a esses ambientes torne-se realidade.

Há exemplos bem-sucedidos em outros países?

Temos conhecimento da Association Handicap Aventure, na França, liderada por Christian Starck, há mais ou menos 20 anos. Christian comentou que nas atividades que ele organiza uma vez por ano, todas as pessoas que trabalham são voluntárias e o recurso para as viagens são adquiridas com patrocínio. Ele leva todos os tipos de portadores de necessidades especiais para essa atividade. Toda ação é relatada em uma revista e também em vídeo. No Brasil, esse trabalho está disponível no site da Handcap.

Como você acha que o assunto “espeleoinclusão” tem sido tratado atualmente no Brasil e no mundo?

É um assunto delicado. A visitação em cavernas é maravilhosa, proporciona infinitas reações em nossa vida durante a atividade. Mas quando penso na atividade propriamente dita tenho muito receio. Quando realizo as pesquisas de campo, eu confio cegamente em minha equipe. Não queremos incentivar as pessoas portadoras de necessidades especiais a visitarem cavernas sem profissionais capacitados.

Então um pedido que você faz é para que se procure o trabalho da SBE?

Sim, teremos o maior prazer em atender. Desenvolvemos técnicas para que seja possível a visitação, que as organizações brasileiras nos reconheçam como pesquisadores capacitados para realização dessa atividade como já somos reconhecidos no meio espeleológico. Há uma equipe envolvida para essa realização, pesando cada questão, cada movimento e atividade.

E o programa “Turismo acessível”, do Ministério do Turismo, tem dado a devida atenção ao tema? E à espeleologia em particular?

Seguindo um pouco o raciocínio da resposta anterior, hoje o Ministério do Turismo já apresenta este ícone nas atividades de aventura para os portadores de necessidades especiais, dentro da cartilha deles, mostrando quais situações se encaixam em cada categoria de necessidade.

O que gostaria de sinalizar é que a espeleoinclusão já tratava e trabalhava essa questão desde 2005 e esta sendo desenvolvida por nós. O que nos deixa muito motivados a continuar trabalhando nesse tema é saber que, dentro do quesito do Ministério do Turismo, essa atividade espeleoturística já faz parte da realidade de futuros visitantes e que estamos à disposição para mostrar nossos resultados.

Existe algum alerta importante a ser dado para o portador de necessidades especiais que deseja conhecer uma caverna?

É importante deixar claro que não é possível realizar todo o trecho turístico de uma cavidade em cadeira de rodas. Não sou a favor também de ter que ficar implodindo salões ou destruindo a caverna para fazer rampas de acesso, elevadores ou o que mais a mente humana conseguir pensar. Então, quem pretende visitar uma caverna deve estar ciente de que não vai encontrar a estrutura de um “shopping center”.

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