Fonte: 360 Graus
Autor: Sara Nanni
O senso comum considera as cavernas como ambientes inóspitos em sua escuridão, profundidade, silêncio e mistérios. A ciência entende as cavernas como formações geológicas extremamente antigas, ainda pouco estudadas, e que são capazes de contar detalhes das diversas fases já vividas pela Terra. Ambientes delicados e frágeis, necessitam de proteção para que possam ser desvendados e explorados de forma equilibrada. Em 1990, o decreto presidencial 99.556 deu um passo inédito e importante, considerando que todas as cavidades deveriam ser preservadas integralmente, já que guardam vestígios arqueológicos sobre a evolução da vida. No entanto, no dia 2 de novembro de 2008, num retrocesso deflagrado pelo presidente Lula, foi assinado um novo decreto, o 6640, que prevê a classificação das cavernas em quatro níveis (máximo, alto, médio e baixo) e autoriza a destruição de cavernas mediante processos de licenciamento e compensação ambiental.
Há muitos argumentos que evidenciam o retrocesso da legislação espeleológica brasileira. A partir do Decreto 6640, uma caverna será considerada intocável (grau de relevância máximo) somente se apresentar características excepcionais (ser a maior do país, por exemplo) ou se tiver aspectos biológicos únicos. O restante, cavernas com grau de relevância alto, médio e baixo, pode sofrer impactos que deverão ser compensados com medidas de conservação ambiental. Segundo a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), esse restante passível de destruição pode atingir mais de 70% das cavernas brasileiras que não estão protegidas por Unidades de Conservação (UCs).
O governo estima que existam mais de 100 mil cavernas no Brasil, sendo que apenas 5 mil estão cadastradas. A maior parte deste patrimônio ainda não foi devidamente estudado, o que gera a dúvida de como serão classificadas as cavernas. “Não há consenso de que seja possível classificar cavernas de acordo com o seu grau de relevância. Apenas começamos a conhecer o patrimônio espeleológico brasileiro, além disso, muitos dos aspectos envolvidos não são qualificáveis numericamente, ou são subjetivos e mudam de acordo com a evolução da sociedade e o avanço da ciência”, explica o manifesto da SBE contra as mudanças na lei.
Outro fato que não justifica o novo decreto, é que não há nenhum indício de que as cavernas dificultam o desenvolvimento de qualquer setor da economia, especialmente o de mineração, já que cobrem uma área muito pequena do país. A SBE ainda destaca que o processo de licenciamento ambiental, como é feito hoje, não garante a conservação da natureza: “O empreendedor interessado na liberação do seu projeto contrata diretamente os estudos necessários, podendo influenciar nos resultados. Esses estudos são avaliados pelos órgãos ambientais, hoje fragilizados pela ótica pela ótica desenvolvimentista do governo”.
Planos de manejo somente no papel não garantem conservação
“Hoje, a legislação está cumprindo uma finalidade de consumo e depredação das cavernas, com enfoque para atender mais as necessidades das mineradoras do que da conservação”, opina Heros Lobo, coordenador da seção de espeleoturismo (turismo em cavernas) da SBE. Lobo explica que as cavernas são bens da União e tem de ser conservadas, independente de qualquer avaliação de relevância.
O espeleólogo coordenou a elaboração dos planos de manejo dos Parques Estaduais Intervales, da Caverna do Diabo, do Rio Turvo e do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), que foram concluídos em junho do ano passado e abrangeram 32 cavernas, na região do Vale do Ribeira, em São Paulo. O plano de manejo é um documento que estabelece o zoneamento e as normas que devem direcionar o uso de uma determinada área e o manejo adequado de seus recursos naturais. Para o pesquisador, é evidente que cavernas localizadas dentro de UCs de uso mais restritivo – parques e estações ecológicas – estão relativamente mais protegidas, porém isso não basta para garantir sua conservação.
“Os planos de manejo são obrigatórios e deveriam ter sido feitos há 30 anos. E não adianta apenas fazer esses planos, eles precisam ser encaminhados para a prática. Quase 200 pessoas estiveram envolvidas na elaboração deles, e a preocupação de todas era que as propostas não ficassem apenas no papel”, ressalta Lobo, apreensivo com a escassez de recursos humanos e financeiros governamentais necessários à implementação dos planos de manejo.
Ele lembra que, além da conservação dos recursos naturais, os planos de manejo também devem propiciar meios de vida para a população local, ou tradicional. O turismo, ou espeleoturismo, é hoje a principal fonte de renda para muitas famílias do Vale do Ribeira. “O turismo na região necessita de maior organização para que possa reverter em benfeitorias, como sistema de agendamento de visitas aos parques, abertura de novos roteiros e visitação diferenciada para escolas”, avalia o espeleólogo. “Se não organizar, o turista vai uma vez e não volta mais”.
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