Como vivia um paulista pré-histórico

Estudo revela hábitos de Luzio, caçador que viveu há 10 mil anos; sua ossada, encontrada no Vale do Ribeira, é a mais antiga do Estado

Fonte: Estadão

Alexandre Gonçalves – O Estado de S.Paulo

Ossada mostra que Luzio foi enterrado com as pernas flexionadas, como se estivesse sentado

O paulista mais antigo de que se tem notícia viveu há 10 mil anos no Vale do Ribeira. Caçava animais de pequeno e médio porte, como preás, cotias e porcos-do-mato. Devia enriquecer sua dieta com tubérculos e frutos. Caminhava sobre riachos, mas não gostava de comer peixe.

Um estudo divulgado na semana passada analisa a composição química dos seus ossos e lança luz sobre os hábitos alimentares de Luzio – como foi batizado pelos cientistas. O trabalho também discute a misteriosa origem do paulista pré-histórico.

Veja também:

INFOGRÁFICO:  Como Luzio foi encontrado

Ele não se parecia com índios contemporâneos, que exibem traços fisionômicos do oriente asiático. Lembrava mais aborígenes da Melanésia, na Oceania, ou negros da África subsaariana.

Pertenceu a uma colonização ancestral do continente que tem como representante mais ilustre Luzia, a “primeira americana”, esqueleto mineiro de 11 mil anos que inspirou o nome do achado paulista e tem características morfológicas semelhantes.

Vestígios de paleoamericanos, como são conhecidos, normalmente são encontrados no interior do continente. No Brasil, foram achados no Planalto Central – em Lagoa Santa, a 40 quilômetros de Belo Horizonte, terra de Luzia – e no sertão nordestino – no Piauí, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Oriundo da floresta, só Luzio. A julgar pelas informações inscritas no seu esqueleto, estava adaptado à Mata Atlântica.

Paralela à costa brasileira, há uma barreira natural de montanhas que dificulta o acesso ao interior. “O Vale do Ribeira é um corredor natural que liga o continente ao litoral”, recorda Sabine Eggers, do Instituto de Biociências da USP, principal autora do trabalho publicado quarta-feira na PLoS One. “E Luzio foi encontrado ali, no meio do caminho.”

Apesar de se alimentar como um homem do interior, perto dos seus rastos foram encontrados dois dentes de tubarão que sugerem contato com o litoral.

Além disso, estava enterrado em um sambaqui – estrutura construída com conchas pelos nativos. Até então, os sambaquis eram associados a populações ameríndias tradicionais, mais recentes. Paleoamericanos não pareciam construir sambaquis.

Praieiro. Luzio causou perplexidade: era um paleoamericano ligado à praia, enterrado em um sambaqui na Mata Atlântica. “O resultado do teste de carbono 14 (que datou o achado) surpreendeu”, afirma Levy Figuti, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP). Sua equipe descobriu Luzio durante um projeto sobre sambaquis fluviais no Vale do Ribeira, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O arqueólogo Paulo De Blasis era responsável pelo Sambaqui Capelinha, onde Luzio foi encontrado. As pesquisadoras Claudia Plens e Maria Cristina Alves exumaram o esqueleto envolto em conchas de caramujos e argila laranja. “Como estava próximo da superfície – cerca de 10 centímetros -, achamos que era material recente”, explica Figuti.

Não se sabe se o povo de Luzio veio da costa e depois colonizou o interior, ou se fez o caminho inverso. Sabine prefere a primeira opção. Pondera que é mais fácil se adaptar e migrar nos ambientes costeiros – que guardam uma semelhança maior entre si que os terrestres.

Mercedes Okumura, do MAE, participou da craniometria de Luzio e concorda com Sabine. “O ambiente da costa apresenta recursos mais abundantes”, afirma Mercedes. Contudo, a cientista lembra que possíveis sambaquis de paleoamericanos na costa dificilmente serão encontrados. “O nível do mar era mais baixo há 10 mil anos”, afirma. “Agora, estariam submersos.”

Para desvendar as questões suscitadas por Luzio, seria necessário encontrar outras pistas na região. “Temos planos de novas escavações”, garante Figuti.

O brasileiro Andre Strauss, do Instituto Max Planck, na Alemanha, estudou minuciosamente rituais funerários dos paleoamericanos de Lagoa Santa. Ele foi orientado por Walter Neves, responsável pela descoberta de Luzia. “O que aconteceu com estes paleoamericanos? Foram dizimados? Misturaram-se aos ameríndios?”, questiona, para recordar que estudos recentes apontaram a sobrevivência de traços de paleoamericanos entre os índios botocudos, no Brasil, e em nativos que habitavam a região de Baja Califórnia, no México.

PARA ENTENDER

Os pesquisadores analisaram isótopos de nitrogênio e carbono obtidos no colágeno dos ossos de Luzio. A concentração dos vários isótopos depende da dieta do sujeito estudado, especialmente da origem (marinha, fluvial ou terrestre) dos alimentos e das espécies vegetais consumidas. Os testes – realizados com falanges do pé de Luzio – foram feitos na Universidade Texas A&M e nos Laboratórios Geochron, nos Estados Unidos.

 

Nota do GPME 1:

Veja o artigo publicado na PLoS One

 

[gview file=”http://www.blog.gpme.org.br/wp-content/uploads/2011/09/journal.pone_.00239621.pdf”]

 

Nota do GPME 2:

O GPME efetuou em 24/09/2006, com participação de um membro do Geep Açungui, o mapeamento parcial da Gruta da Capelinha,  cavidade localizada na região aonde Luzio foi encontrado. A baixa temperatura e o elevado nível d’água na ocasião não permitiram a continuidade da exploração e topografia em condutos baixos e parcialmente sifonados. O GPME pretende finalizar a topografia em breve.

 

Leave A Comment