Fonte: Estadão
CANAÃ DOS CARAJÁS, PA – Um conjunto que pode chegar a milhares de cavernas impede a implantação imediata do maior projeto de exploração de ferro da Vale nos próximos 40 anos. A mina armazena 3,4 bilhões de toneladas do minério – que a inclui entre as maiores reservas mundiais a céu aberto descobertas no mundo – e fica na vertente sul da Serra de Carajás, no interior do Pará.
As cavernas guardam, porém, vestígios arqueológicos milenares da ocupação humana na Amazônia e a legislação vigente no Brasil impede a destruição de cavidades naturais nestas condições. Para extrair o ferro, a Vale teria de demoli-las. O impasse reacende as discussões sobre a legislação ambiental.
A mineradora planeja retirar de Serra Sul 90 milhões de toneladas de minério por ano, até o esgotamento da jazida, em um investimento de US$ 11,3 bilhões.
Pesquisas realizadas nos últimos sete anos por empresas de arqueologia e espeleologia (o estudo de cavidades subterrâneas), contratadas pela Vale, apresentam conclusões que geram no setor de mineração bastante pessimismo quanto à possibilidade de os órgãos ambientais licenciarem o empreendimento sem que seja necessário um árduo trabalho político prévio.
O potencial de Serra Sul é até maior do que a jazida cobiçada pela Vale. Batizada de S11D, a mina ocupa apenas um dos quatro trechos em que a serra foi dividida pela companhia. O setor D é o único com projeto de exploração divulgado. Os corpos A, B e C, por enquanto, permanecem fora dos planos de expansão da Vale em Carajás.
Para complicar mais ainda a situação, todos os quatro setores estão dentro da Floresta Nacional (Flona) de Carajás, unidade de proteção ambiental do governo gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia federal surgida em 2007, com o desmembramento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O ICMBio é crítico quanto ao empreendimento.
A localização de 174 cavernas no corpo D – quantidade ainda preliminar, pois as buscas de novas cavidades prosseguem – leva especialistas a calcularem que haja pelo menos 250 no setor e mais de mil em toda a Serra Sul, cuja maior parte do território está no município de Canaã dos Carajás, no sudeste do Pará.
“Certamente são milhares de cavernas em toda a Serra Sul. Toda região em que há minério de ferro se caracteriza pela existência das cavidades naturais subterrâneas. Como são áreas de acesso difícil, sem infraestrutura de apoio ao trabalho de campo, ainda há muito a apurar”, avisa o espeleólogo e historiador Genival Crescêncio, que há 18 anos percorre a Serra de Carajás. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Conjunto abriga sítio histórico
Fonte: Estadão
As cavernas do sul da Serra de Carajás, no interior do Estado do Pará, abrigam um sítio histórico extremamente diversificado e rico. De acordo com o estudo dos profissionais da Carste, é possível encontrar atributos físicos, biológicos e histórico-culturais nas região. Há também vestígios arqueológicos milenares da ocupação humana na Amazônia. Além das características naturais, o local é considerado um grande ponto de exploração de minério de ferro. A mina armazena 3,4 bilhões de toneladas do minério -o que a inclui entre as maiores reservas mundiais a céu aberto descobertas no mundo. Da Serra Sul, a Vale planeja retirar 90 milhões de toneladas de minério por ano, até o esgotamento da jazida, em um investimento de US$ 11,3 bilhões.
Estudo ambiental não favorece mineradora
Na tentativa de salvar o empreendimento na Serra Sul de Carajás, a Vale e entidades representativas do setor de mineração realizam contatos políticos para convencer o governo a modificar o Decreto 6.640/2008 e a Instrução Normativa 02/2009, que classificam o grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas.
O decreto e a instrução definem os critérios de preservação integral ou parcial e de destruição das cavernas. Aquelas consideradas de relevância máxima “não podem ser objeto de impactos negativos irreversíveis, sendo que sua utilização deve fazer-se somente dentro de condições que assegurem sua integridade física e a manutenção de seu equilíbrio ecológico”, diz o decreto. As de relevâncias alta, média e baixa podem ser alteradas.
Como a extração do minério de ferro exige a destruição do terreno e das cavidades nele existentes, ou se cancela o projeto na área da caverna ou se muda a legislação. O presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia, Marcelo Rasteiro, diz que a instrução está sendo revista e deverá ser modificada ainda este ano. “As instruções normativas passam por um processo de revisão a cada dois anos. A briga é entre os que querem preservar as cavernas e os empreendedores querendo fazer seus empreendimentos”, disse.
Impacto. Os resultados do obrigatório Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), embora contratado pela Vale, não foram considerados favoráveis à mineradora. Com cerca de 5 mil páginas em seis volumes, fora os anexos, o documento, em apreciação pelo Ministério do Meio Ambiente, foi feito pela Golder Associates, de São Paulo. A empresa lista as cavidades que deverão ser destruídas no corpo D de Serra Sul.
“O impacto potencial nessas 106 cavidades foi avaliado como real, de natureza negativa, de duração permanente, incidência direta, de média longo prazo, de ocorrência irreversível, pontual, de alta importância, de alta magnitude e, portanto, de alta significância”, diz o texto. A existência de “testemunho de interesse arqueológico da cultura paleoameríndia do Brasil” é uma das condições para a classificação da caverna como de relevância máxima, ou seja, protegida da destruição. Se a característica for rebaixada no quesito relevância, numa eventual mudança na regulação, a cavidade poderá ser destruída.
Pela proposta da Vale, em situações assim, todo o material arqueológico de importância seria retirado, em uma operação conhecida internacionalmente como “de salvamento”. A empresa se comprometeria ainda a desenvolver ações mitigadoras e, se possível, preservar cavernas mais afastadas das áreas principais de mineração.
Procurada pelo Estado, a Vale não se pronunciou sobre a questão. O Departamento de Comunicação Corporativa e Imprensa limitou-se a divulgar que a companhia “ainda está aprofundando os estudos ambientais relativos a cavernas”, sem definir o que ocorrerá. No site da empresa (www.vale.com) a única informação sobre a mina é a de que está em fase de licenciamento ambiental e que o projeto precisa ser submetido à aprovação do conselho de administração. Segundo o Departamento de Comunicação, o conselho aprovou o projeto no ano passado. /S.T.
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