Quilombo de Bombas e Fundação Florestal buscam solucionar sobreposição

Fonte: www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3272

Depois de oito anos parado na Secretaria Estadual do Meio Ambiente, o processo da Fundação do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) para reconhecimento do quilombo de Bombas, localizado em Iporanga, no Vale do Ribeira (SP), começou a caminhar para tentar resolver o impasse criado pela sobreposição do Parque Estadual do Alto Ribeira – Petar- sobre o território quilombola. A criação do parque veio agravar ainda mais o isolamento em que a comunidade vivia – sem luz elétrica, saneamento básico, acesso por estrada e precária oferta de saúde e educação.

Do processo de nº 1186/2002 da Fundação Itesp consta o laudo antropológico que atesta sua tradicionalidade e a condição de remanescente de quilombo. Mas devido à falta de estudos ambientais sobre a área, o processo não foi concluído até o momento. Em dezembro de 2010, um Protocolo de Intenção e o Plano de Trabalho firmado entre a Fundação Florestal (FF), a Fundação Itesp e a Associação Remanescente de Quilombo de Bombas para que sejam realizados estudos complementares sobre o meio físico, biótico, situação fundiária e sustentabilidade ambiental das áreas pleiteadas.

Cotia, em Bombas de Cima, onde localiza-se a escola com ensino fundamental de 1ª a 4ª séries (2010)

Bombas é a comunidade rural mais isolada no município de Iporanga no Vale do Ribeira. A ocupação data de um período impreciso, entre 1910 e 1920, por afrodescendentes que habitavam algumas das comunidades que hoje são reconhecidas como quilombos. Os moradores falam dos tempos antigos quando chegaram a morar cerca de 80 famílias no território. Porém, apenas 18 famílias foram registradas pelo ISA durante a elaboração da Agenda Socioambiental Quilombola em 2008 e 16 pela pesquisadora Walburga dos Santos, em 2010.

Por causa das dificuldades de morar num lugar remoto, sem acesso por estrada, eletrificação, saneamento básico, e com uma oferta precária de saúde, educação e comunicação, muitos se mudaram para cidades vizinhas. As migrações se intensificaram no final dos anos de 1970 e foram agravadas pela implantação do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar) nos anos 1980. Criado em 1958, o Petar foi o primeiroa parque criado no Estado de São Paulo. Como os limites definidos naquela época foram baseados apenas nos acidentes geográficos, presença de cavernas e cobertura florestal, e não na presença humana, o território de Bombas acabou ficando dentro do parque. De interesse particular, o Petar registra a presença de espécies endêmicas de ambientes cársticos, como o bagre cego (Pimlodella kronei) identificado em cavidades do parque. Com a implementação do Petar as atividades dos moradores tornaram-se clandestinas, incluindo as moradias e as roças já que trata-se de uma unidade de conservação de proteção integral, ou seja vedada à atividades humanas. A partir daí, os moradores passaram a recear a chegada de pessoas estranhas ao local, com medo de serem denunciados a Polícia florestal.

Bombas foi identificado como grupo para possível reconhecimento como quilombo numa primeira lista elaborada com apoio da Igreja Católica e do Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab) em 1996, mas só em 2001 Bombas solicitou formalmente seu reconhecimento (Processo Itesp nº 1886/2002). O estudo antropológico, concluído em 2002, reconheceu a condição quilombola da comunidade de Bombas. Para subsidiar o processo, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SMA) criou uma nova exigência, a partir da Resolução SMA nº 29/2010, que consiste na realização de estudos técnicos complementares sobre o meio físico, biótico, situação fundiária e sustentabilidade ambiental. A resolução tem como finalidade criar procedimentos para solucionar a questão da sobreposição entre a Unidades de Conservação de Proteção Integral e territórios pleiteados por comunidades tradicionais em seu interior.

Devido a desconfiança dos moradores com relação aos funcionários da secretaria, Bombas não quis aceitar os pesquisadores do Plano de Manejo do PETAR, nem tampouco os estudos técnicos complementares para obtenção do reconhecimento como quilombo. Mas essa situação começou a mudar no início de 2010 quando uma proposta de Protocolo de Intenção foi apresentada pela Fundação Florestal (FF). Para se posicionar diante dela, a coordenação da Associação dos Remanescentes de Quilombo de Bombas solicitou a assessoria da Equipe de Articulação e Assessoria as Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone) e do ISA (Instituto Socioambiental). Ambas as instituições consideraram oportuno celebrar o acordo para dar prosseguimento ao processo de reconhecimento da comunidade. E assim, foram realizadas várias reuniões entre a associação, a Fundação Florestal, a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, o ITesp, o ISA, a Eaacone e a prefeitura de Iporanga.

Em janeiro de 2010, o início do processo com uma reunião na biblioteca municipal de Iporanga

Em 29 de setembro do não passado, em reunião realizada em Iporanga, a comunidade finalmente consentiu que fossem realizados os estudos técnicos, e a Fundação Florestal assumiu a responsabilidade de escrever uma proposta de Plano de Trabalho (PT) que inclui (a) justificativa e objetivos do trabalho; (b) nome dos executores; (c) descrição das etapas de desenvolvimento do trabalho; (d) prazos de execução dos trabalhos; (e) detalhamento dos recursos humanos e materiais necessários; (f) orçamento e fonte de recursos; e (g) cronograma de atividades.

No recém-inaugurado Centro Comunitário de Bombas, em novembro de 2010, quilombolas concluem acordo com sugestões à Fundação Florestal

Em novembro de 2010, durante a inauguração do Centro Comunitário de Bombas, os moradores se reuniram para discutir e ajustar o Plano de Trabalho com a ajuda da Eeacone e do ISA. Além de acompanhar e auxiliar os trabalhos de campo, os moradores de Bombas querem acompanhar o levantamento de dados e avaliar os resultados dos relatórios. A comunidade escreveu uma carta para a FF na qual apresentou suas sugestões. À noite continuaram as celebrações de inauguração do centro comunitário, com reza e jantar. Depois, música de viola, fogos de artifício, fogueira, música sertaneja animaram as danças até o amanhecer. A comunidade toda participou além de amigos que vieram de outras comunidades e bairros vizinhos.

O acordo que resultou no Protocolo de Intenção e o Plano de Trabalho firmados entre pela FF, ITESP e o presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombo de Bombas, Antoninho Ursulino representa um passo importante para garantir continuidade ao processo de reconhecimento e titulação da comunidade. Em 2011, duas reuniões foram realizadas entre os moradores de Bombas e a equipe técnica de 12 pesquisadores da Esalq/USP, responsáveis pelos diagnósticos físicos, biológicos e de sustentabilidade ambiental no território. O cronograma do trabalho envolve cinco viagens de campo e está previsto para iniciar em março. A pesquisa tem prazo de seis meses contados da assinatura do Plano de Trabalho. Os resultados da pesquisa instruirão o processo de reconhecimento do território quilombola com apresentação de justificativas técnicas para a tomada de decisão do Grupo Gestor de Quilombos, responsável pelo reconhecimento e titulação de territórios quilombolas no âmbito do governo do Estado de São Paulo.

ISA, Anna Maria Andrade com Kjersti Thorkildsen.

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