Impactos socioambientais da mineração no Vale do Ribeira são debatidos em seminário

Fonte: Instituto Socioambiental

Evento reuniu representantes de comunidades quilombolas e organizações da sociedade civil, para debater as ameaças socioambientais da atividade minerária na região que abrange o sul do Estado de São Paulo e o norte do Estado do Paraná

No último sábado, 15 de junho, cerca de 100 pessoas, entre quilombolas, representantes de organizações da sociedade civil, técnicos e gestores públicos, se reuniram em Iporanga, para discutir e avaliar a crescente mineração no Vale do Ribeira e seu avanço nos territórios quilombolas.

Estiveram presentes lideranças dos quilombos de Abobral Margem Esquerda, Bombas, Cangume, Engenho, Galvão, Ilhas, Ivaporunduva, João Surá, Maria Rosa, Nhungara, Pedro Cubas, Pedro Cubas de Cima, Pilões, Piririca, Poça, Porto Velho, São Pedro e Sapatu, e representantes da Associação de Monitores de Iporanga, Cepce, Eaacone, IBS, ISA, MAB, Movimento de Ameaçados por barragens (Moab), das organizações Pé no Mato, Prosa na Serra e Reserva Betary, além de técnicos da Fundação Florestal, da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo (SMA) e da Fundação Itesp.

Quilombolas, organizações da sociedade civil e gestores participaram do seminário

Quilombolas, organizações da sociedade civil e gestores participaram do seminário

O advogado e coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA, Raul Telles do Valle, que vem discutindo com outras organizações a proposta do governo de mudança na legislação federal sobre mineração, falou sobre o cenário nacional explicando que o Brasil é o maior produtor de minério da América Latina, sendo responsável por 20% das exportações. No entanto, por se tratar de produto primário, com baixo valor agregado, tem um impacto de apenas 4,2% no PIB Nacional. (Leia aqui a apresentação).

O Plano Nacional de Mineração, do Ministério de Minas e Energia, com metas até 2030, tem entre seus objetivos o aprofundamento do conhecimento geológico e a consolidação do Marco Regulatório da Mineração, ampliando de três a cinco vezes a exploração de minério. (Veja a íntegra do PNM)

(Veja tabela com estimativas de crescimento de exploração de alguns minérios)

Fonte ISA, com base em dados do PMN, 2013

Fonte ISA, com base em dados do PMN, 2013

O Código de Mineração em vigor é de 1967, e as regras atuais permitem que haja muita especulação sobre as áreas com potencial minerário, pois o critério utilizado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para registro de solicitações é o de chegada. Isso faz com que empresas e indivíduos que não dispõem de condições para exercer a atividade registrem pedidos, no aguardo de valorizarem seus títulos para venderem a bons preços junto ao mercado.

Mineração em territórios quilombolas do Vale do Ribeira

O Vale do Ribeira tem muita diversidade de substâncias, além da grande quantidade de minério. O processo de ocupação na região se deu baseado na exploração mineral. O município de Registro recebeu esse nome por ser o local onde se fazia o registro e a coleta de impostos do ouro vindo de Eldorado ou Iporanga. Já Sete Barras recebeu esta denominação por conta de uma lenda relacionada ao período em que se extraía ouro na região. Atualmente, é de Cajati que sai a maior produção de fosfato bicálcico da América Latina, utilizado, principalmente, para a produção de ração animal.

(Veja tabela os minérios que mais detêm número de pedidos de extração).

Fonte ISA, com base em dados do PMN, 2013

Fonte ISA, com base em dados do PMN, 2013

A quantidade de solicitações para mineração em territórios quilombolas é grande, e a região do Alto Vale, no Paraná é a que sofre mais pressão, como pode se observar no mapa abaixo.

O Decreto Federal nº 5.758/2006, que instituiu o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), ressalta o papel que Unidades de Conservação (UC’s), Terras Indígenas (TI’s) e terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos exercem para a conservação dos recursos naturais. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) tem apresentado restrições aos pedidos feitos em UC’s e TI’s, mas o mesmo não ocorre nos territórios quilombolas.

mapa

 

Os quilombos de Cangume, Porto Velho e Praia Grande, localizados em Iporanga, tem de 92% a 99% de seus territórios incluídos em pedidos para extração de algum tipo de minério, com destaque para calcário, minério de cobre, de chumbo e de ouro. Só do lado paulista do Ribeira, 16 territórios quilombolas têm sobreposição com áreas onde existem processos no DNPM.

No Salão Paroquial, em Iporanga, os mapas mostram a incidência dos pedidos de mineração no Vale do Ribeira

No Salão Paroquial, em Iporanga, os mapas mostram a incidência dos pedidos de mineração no Vale do Ribeira

Empresas contratadas para a realização de pesquisas já estão trabalhando, fato que preocupa muito as lideranças presentes no seminário. Jovita Furquim de França, presidente da Associação do Quilombo do Bairro Galvão (Eldorado-SP), questionou se os pesquisadores vão respeitar os territórios. Jaime Dias dos Santos, do Quilombo Ilhas (Barra do Turvo-SP), perguntou se existe algum tipo de desapropriação, considerando que as empresas estarão explorando o território.

Raul explicou que o subsolo é um bem da União, que dá concessão de uso às empresas mediante solicitação. Na fase de pesquisa, o empreendedor verifica a existência de determinada substância no local, e a intervenção, em geral, é pequena, havendo a necessidade de indenização pelos danos causados nesta atividade. No caso da extração, apenas a área diretamente afetada é passível de indenização. No entanto, como após o período de exploração a área continua sendo do proprietário, nem sempre ele é indenizado.

Um outro ponto levantado pelos quilombolas foi a relação entre os empreendimentos energéticos e minerários. Há mais de 20 anos diversas organizações do Vale do Ribeira lutam contra a construção da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, da Companhia Brasileira de Alumínio – CBA (saiba mais sobre a Campanha contra barragens). Raul do Valle destacou que, para que haja o aumento pretendido pelo Governo para a atividade minerária, também será necessário ampliar a capacidade energética do país, tanto para uso na extração quanto no beneficiamento dessas substâncias.

A Irmã Sueli Berlanga, da Eaacone/Moab, destacou que quando o projeto da barragem chegou ao Ribeira, muita gente era favorável, por conta das promessas de desenvolvimento e empregos, mas, ao longo do tempo, a população foi vendo que a realidade era bem diferente. O mesmo acontece hoje com a mineração, que tem sido vista como oportunidade para o desenvolvimento, mas que, em termos de impactos, é muito pior que a barragem, pela extensão das áreas abrangidas e pelo passivo socioambiental que fica no local, como a perda das áreas agricultáveis e os impactos à saúde.

Antonio Carlos, do Quilombo João Surá, relata os passivos da mineração no Paraná

Antonio Carlos, do Quilombo João Surá, relata os passivos da mineração no Paraná

Antonio Carlos, liderança do Quilombo João Surá (Adrianópolis-PR), disse que o Paraná sofre há décadas os efeitos da mineração, principalmente do chumbo, restando às comunidades a contaminação da água e do solo, pelo grande uso de substâncias químicas na atividade, além de doenças advindas do contato com os próprios minérios, caso do saturnismo. Ressaltou que os quilombos do Paraná e de São Paulo precisam estar unidos e lutar juntos neste momento, garantindo seus direitos e seus territórios.

Isadora Parada, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, disse que está em discussão o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Vale do Ribeira, e há categorias que proíbem a atividade minerária. Os quilombolas reforçaram que existem diversas leis e regulamentos para proteção de seus territórios, mas muitas vezes isso não se reflete na prática. Enquanto a regularização fundiária e a liberação para as roças tradicionais quilombolas se arrastam faz anos, da noite para o dia surgem máquinas de empresas escavando os territórios, fazendo pesquisas para a mineração.

Novo marco regulatório é enviado ao Congresso

Nesta terça-feira, 18 de junho, Dilma Rousseff enviou ao Congresso Nacional projeto de lei referente ao novo marco regulatório para o setor mineral.

De acordo com notícia publicada no site da Câmara Federal, entre as mudanças, o governo estabelecerá quais áreas são passíveis de mineração, como ocorre com o petróleo, abrindo concorrência pública. O projeto de lei prevê a criação do Conselho Nacional de Política Minerária), órgão de assessoria especial à Presidência da República, e transforma o DNPM em Agência Nacional de Mineração, autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Também está previsto o aumento da alíquota da Contribuição Financeira sobre Exploração Mineral (Cfem), paga pelas empresas do setor, de 2% para 4%, o que vai dobrar a arrecadação, segundo o Governo Federal.

A ampliação da alíquota resulta no aumento dos royalties a serem repassados à União, estados e municípios. Segundo Raul, a lógica desse recurso seria preparar as regiões afetadas para alternativas econômicas para geração de renda, tendo em vista que o minério é finito. No entanto, os governos acabam utilizando o recurso para suprir demandas imediatas, ficando desprovidos ao fim da atividade minerária.

Raul do Valle, do ISA, faz uma apresentação geral sobre a questão da mineração

Raul do Valle, do ISA, faz uma apresentação geral sobre a questão da mineração

O anúncio feito pela presidente Dilma, numa solenidade para a qual foram convidados apenas membros e técnicos do governo e representantes do setor empresarial, fez com que o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração divulgasse uma nota intitulada Mais uma vez esqueceram de nós. Nela, diversas organizações da sociedade civil afirmaram que, mais uma vez, as vozes críticas ao expansionismo mineral foram excluídas do processo, o que torna ainda mais temerário o teor do projeto de lei enviado ao Congresso. O conteúdo do PL estará disponível a partir de sua publicação no Diário Oficial. Por isso, até o momento, a sociedade não teve acesso a ele.

O Comitê, formado por organizações como o ISA, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Movimento dos Atingidos por Mineração, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), tem o objetivo de levar o debate à sociedade, já que tem estado circunscrito ao governo e às empresas, há cerca de quatro anos. (Leia notícia sobre o lançamento do Comitê)

Entre os pontos defendidos pelo Comitê estão:
– direito das comunidades vetarem mineração em suas respectivas áreas;
– limites às taxas de exploração anual, para evitar que se acabe tudo agora e que a exploração seja feita de qualquer forma, atendendo apenas à movimentação do mercado, comprometendo os benefícios sociais;
– definição de áreas livres de mineração;
– seguro ambiental e caução para plano de fechamento das minas;
– direito dos trabalhadores.

Próximos passos

Ao final do seminário, os presentes definiram que as organizações no Vale do Ribeira devem buscar a integração com o Comitê Nacional, visando acompanhar e intervir na discussão sobre o marco regulatório, e que será encaminhada carta ao Congresso Nacional referendando os pontos destacados pela sociedade. Daí resultou uma carta aberta enviada a deputados federais e senadores. (Leia aqui)

Foi encaminhada também a formação de grupo para levar o debate às comunidades, igrejas, sindicatos, comitês de bacia, entre outros, ampliando a discussão junto à sociedade.

Ivy Wiens
ISA

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