O FIM DA ARQUEOLOGIA PREVENTIVA

Marcos Paulo de Souza Miranda

Por força de setores econômicos, principalmente os ligados à mineração e à produção de energia elétrica, está na iminência de ser publicada pelo IPHAN a Instrução Normativa 01/2014 que “estabelece procedimentos administrativos a serem observados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nos processos de licenciamento ambiental dos quais participe”.

Certamente se trata de um retrocesso protetivo maior do que a própria revogação do Código Florestal, evidenciando que o governo atual está à serviço dos poderosos interesses econômicos.

A norma, recentemente divulgada aos servidores do IPHAN, em encontro em Brasília,  revoga a Portaria IPHAN 230/2002 (que trata da arqueologia preventiva nos licenciamentos ambientais) e a Portaria IPHAN 28/2003 (que exige o licenciamento  arqueológico das usinas hidrelétricas implantadas sem a realização dos estudos arqueológicos  prévios) (art. 59).

A aberração  restringe a análise dos impactos arqueológicos somente às áreas de influência direta (art. 1º.) e somente bens protegidos em nível federal serão objeto de consideração (art. 2º., parágrafo único) quando os órgãos ambientais o instarem a faze-lo (art. 9º).

Ou seja, se não houver provocação do órgão ambiental licenciador, o IPHAN deverá simplesmente se omitir. Simples, não?

O órgão nacional de proteção ao patrimônio é relegado à condição de órgão federal, que deixa de zelar por “meros” interesses estaduais ou municipais, como se o patrimônio cultural pudesse ser rotulado em escalas.

Na “Avaliação de impacto aos bens culturais tombados, valorados e registrados” (art. 13), não existe qualquer obrigação de socialização do conhecimento auferido por meio de publicações ou musealização, o que torna a destruição dos bens culturais um bom negócio.

Não bastasse, o procedimento de licenciamento arqueológico corretivo  é simplesmente extirpado paras as UHEs e quaisquer outros empreendimentos. Carta branca para a perpetuação dos danos em detrimento do nosso patrimônio arqueológico.

Ao contrário do que ocorria até então, somente alguns empreendimentos estarão obrigados à adoção de trabalhos arqueológicos prévios, ficando a maioria deles sujeitos apenas à presença de arqueólogo em campo responsável pela gestão do patrimônio arqueológico eventualmente identificado durante a execução do empreendimento (art. 16).

Qual mineradora paralisará suas retroescavadeiras para se evitar a destruição dos vestígios de um acampamento pré-histórico em homenagem à nova legislação, que, inclusive, contraria frontalmente a Lei 3.924/61?

Não defendemos uma casta de profissionais que, aliás, precisa identificar a exata dimensão de seu papel na busca do desenvolvimento sustentável.

Mas arqueólogos não são policiais, Senhora Presidenta!

O aprimoramento de procedimentos para se evitar  a burocracia excessiva  é  salutar e sempre bem-vindo, mormente quando ouvidas todas as partes interessadas.

Mas a irresponsabilidade, não.

Esse estado de coisas serve apenas para gerar conflituosidade e insegurança jurídica.

Infelizmente, o passado está ameaçado pela irresponsabilidade circunstancial do presente.

Para onde iremos?

Prefiro não falar de futuro.

4 Comments

  1. Afonso Figueiredo 01/09/2014 at 13:29 - Reply

    Isso é um total absurdo. Mais um tiro na nossa rasgada política de proteção ambiental e cultural.

  2. Niéde Guidon 02/09/2014 at 10:49 - Reply

    O Brasil não terá nunca um passado cultural! O que interessa aos políticos não é o país, sua pré-história, sua cultura. Somente interessam votos e muito dinheiro!

  3. Adriano Carvalho 03/09/2014 at 16:30 - Reply

    Prezados,

    É hora de agirmos com pulso firme. Em ano de eleição, se nos mobilizarmos e fizermos barulho, poderemos conseguir alguma visibilidade e quiçá, provocarmos alguma reação e mudança desta IN.

    Mas a ação deve ser agora, amanhã será tarde.

    Este retrocesso atinge não só o patrimônio arqueológico, indiretamente ele atinge também o patrimônio espeleológico e o meio ambiente. É hora de unirmos forças.

    Vejam a IN no https://www.dropbox.com/s/sa3oi7wv5vqb027/Documento%20do%20IPHAN.pdf?dl=0 disponibilizado pela SBE, e tirem suas próprias conclusões apesar da leitura do Promotor Marcos Paulo sintetizar muito bem.

    Uma das ações possíveis para COMEÇARMOS a fazer algum barulho, é cada um de nós enviar um e-mail de repúdio a Casa Civil, local onde a IN se encontra: casacivil@presidencia.gov.br

    É hora de agirmos.

    Adriano Carvalho

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