Pequisa revela como cavernas se tornaram espaço de religiosidade

Fonte: Estado de Minas

Gustavo Werneck

Gruta da Lapa se transforma no cenário ideal para a representação do nascimento do menino Jesus

Ouro Preto – A primeira vela se acende, as mãos se unem e a dona de casa e professora Maria de Carvalho Ferreira, de 74 anos, faz uma prece em silêncio. Ela repete um gesto iniciado nos tempos de menina, quando, levada pela mãe, subia com fé o morro que conduz à Gruta de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, a chamada Gruta da Lapa, no distrito de Antônio Pereira. Aos poucos, novos devotos chegam e iluminam ainda mais o ambiente formado por seis salões que recebem visitas diárias. Durante o ciclo natalino, o lugar se torna emblemático: num cantinho da rocha, há um pequeno presépio mostrando que não poderia haver cenário melhor para celebrar o nascimento de Jesus.

Tão grande é a importância religiosa e cultural dessa e outras grutas espalhadas pelo mundo que o tema mereceu uma pesquisa feita pelo professor Luiz Eduardo Panisset Travassos, do programa de pós-graduação em geografia da PUC Minas. Ele acaba de chegar da Eslovênia, onde recolheu um vasto material sobre o assunto depois de percorrer várias localidades na Europa. “Desde a pré-história os homens usavam as cavernas como abrigos e ambiente de rituais de caça, fertilidade etc. Já durante o Império Romano, os cristãos foram perseguidos e passaram a fazer seus cultos em locais subterrâneos. Um dos exemplos são as catacumbas de Roma, fugindo, assim, da vigilância das autoridades. Quando essa terminou, os cristãos ‘voltaram’ à superfície e mantiveram as grutas como lugares sagrados”, conta o professor.

No Brasil, o professor Panisset fez estudos na Bahia, Goiás e Minas Gerais, com destaque para a Lapa Velha ou Lapa de Pamplona, em Vazante, na Região Noroeste, a 513 quilômetros de Belo Horizonte; para o distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto, bem como para os pequenos oratórios distribuídos por Montes Claros, no Norte de Minas, Unaí, no Noroeste, e outros municípios da região cárstica.

Frequentada desde o século 18, a Gruta da Lapa tem muita semelhança com uma lenda registrada na localidade de Quintela, em Sernancelhe, em Portugal, onde, em 1498, uma menina muda de nascença, teria, ao pastorear as ovelhas, entrado numa lapa e encontrado uma imagem guardada no ano 982 por uma religiosa que fugia de um suplício. Em Antônio Pereira, a história que passa de boca em boca e é relatada por Dona Dunga revela que algumas crianças que buscavam lenha na mata teriam seguido um coelhinho, entrado na gruta e tido uma visão de Nossa Senhora.

Espaço sagrado

A chegada à Gruta da Lapa é permeada por vários momentos emocionantes, incluindo a caminhada pelo gramado, a passagem pelo portão do século 18, doado pelo imperador dom Pedro II, as orações na ermida e os labirintos da caverna. O mecânico Rogério Guilherme, de 45, morador da comunidade há 26 anos, conta que a gruta é palco de muitas cerimônias de casamento e missas. Nas paredes, marcas de vandalismo, com nomes escritos e riscos na rocha, pedras quebradas e outros pequenos atos que, segundo Rogério deixaram de ser praticados. “Agradeço a Deus e Nossa Senhora a força e todas as graças que alcanço para minha família”, afirma.

O professor Panisset conta que os visitantes consideram a gruta um espaço sagrado. “Lá for a, eles podem estar bebendo cerveja e ouvindo funk, mas, quando ultrapassam o portão, tiram o chapéu, descartam a latinha, enfim, adotam outro comportamento”, diz, destacando o interior passa a ser o centro do mundo. No seu levantamento, o professor da PUC Minas visitou também a França, Itália, Alemanha, Hungria e verificou que, em algumas cidades, as peregrinações em grutas remontam ao ano 292 da era cristã. “Trata-se de uma união entre a fé e a natureza.”
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Inventário cultural

A Gruta de Nossa Senhora da Conceição da Lapa fica a 30 quilômetros de Ouro Preto e a 15 de Mariana, com grande peregrinação em 13, 14 e 15 de agosto, quando ocorre o jubileu da santa. A Prefeitura de Ouro Preto fez um inventário cultural sobre o local, mostrando que se trata de atrativo natural e religioso muitíssimo conhecido e apreciado em toda região. Cercada de lendas e superstições, a gruta tem origem do processo de dissolução de rochas carbonaticas, representadas principalmente por dolomitos da Formação Gandarela. Isso deu origem aos seis salões ligados entre si por frestas ou corredores, perfazendo uma extensão de aproximadamente 72 metros. A entrada fica na encosta do afloramento e, no interior, há infraestrutura (escada, piso, portão e iluminação artificial) que facilita o acesso e auxilia na conservação do patrimônio.

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