COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO No 1.138, DE 2008
Determina a sustação do Decreto nº 6.640, de 7 de novembro de 2008, do Poder Executivo, por exorbitar do poder regulamentar.
Autor: Deputado ANTONIO CARLOS MENDES THAME
Relator: Deputado ANTÔNIO ROBERTO
I – RELATÓRIO
O Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 1.138, de 2008, visa suspender a eficácia do Decreto nº 6.640, de 7 de novembro de 2008, que “dá nova redação aos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º e acrescenta os arts. 5º-A e 5º-B ao Decreto nº 99.556, de 1º de outubro de 1990, que dispõe sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional”.
O autor justifica a proposição, argumentando que o Decreto nº 6.640/2008 realizou alterações significativas no regime de proteção do patrimônio espeleológico nacional. O Decreto possibilita que as cavidades naturais subterrâneas sejam objeto de impactos negativos irreversíveis, mediante licenciamento ambiental, autorizando, assim, a destruição de cavernas ou a alteração irreversível de suas condições morfológicas, ecológicas, ambientais, paisagísticas e cênicas.
Ressalta o posicionamento da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), de que: não há nenhum indício de que as cavernas estejam dificultando o desenvolvimento de qualquer setor da economia brasileira; o setor mineral tem aumentado sua produção a cada ano; o patrimônio espeleológico é um dos poucos recursos naturais protegidos pela legislação vigente de forma completa e ampla, mesmo fora de unidades de conservação; as cavernas ocupam área muito pequena no País e são formações únicas e extremamente relevantes para o entendimento da evolução geológica do planeta, da vida e até da nossa sociedade; não há consenso de que seja possível classificar as cavernas conforme seu grau de relevância, ainda mais por conhecermos muito pouco o patrimônio espeleológico brasileiro; o processo de licenciamento ambiental atual não é eficaz para garantir a conservação da natureza; e cabe ao Estado e à sociedade garantir a conservação deste importante patrimônio, não podendo o governo dispor de nossas cavernas como forma de conseguir recursos para cumprir suas obrigações.
O nobre Deputado argumenta, ainda, que o Decreto afigura-se inconstitucional, pois estabelece normas sobre as cavidades naturais subterrâneas e invade a competência legislativa do Congresso Nacional. Finaliza afirmando que não se pode autorizar que o Presidente da República, sem maiores cautelas e justificativas, “possa dispor sobre a hipótese extrema de dar causa a impactos negativos irreversíveis, mediante licenciamento ambiental” (grifo do autor).
O PDC foi apreciado e rejeitado na Comissão de Minas e Energia em 28 de outubro de 2009, na forma do Parecer do Relator, Deputado José Otávio Germano. Naquela Comissão, apresentou Voto em Separado o Deputado José Fernando Aparecido de Oliveira.
II – VOTO DO RELATOR
Corroborando o posicionamento dos nobres Deputados Marina Magessi e Chico Alencar, que me antecederam na relatoria do PDC nº 1.138/2008 nesta Comissão, mas cujos pareceres não chegaram a ser apreciados, considero que a proposição trata de matéria da mais alta relevância e deve ser examinada com muita atenção por este Colegiado. Vejamos.
As cavidades naturais subterrâneas ou cavernas constituem ecossistemas peculiares, devido à ausência de luz e de vegetação em quase toda a sua extensão. Constituem sítios espeleológicos, geológicos, hidrológicos, geomorfológicos, biológicos, arqueológicos e paleontológicos importantes, abrigando espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. Podem constituir, também, reservas minerais e reservatórios de água e, devido à sua grande beleza cênica e aos espeleotemas, possibilitam o desenvolvimento de atividades educativas, científicas, religiosas, de lazer e de ecoturismo.
Por seu grande valor natural e cultural, as cavidades naturais subterrâneas foram declaradas bens da União pela Constituição Federal (art. 20, X). É dever da União zelar pelos seus bens, estabelecendo medidas concretas para a sua conservação e, ao mesmo tempo, garantir as condições para que o desenvolvimento econômico dessas áreas ocorra dentro de critérios de sustentabilidade ambiental.
O Decreto nº 99.556, de 1º de outubro de 1990, alterado pelo Decreto nº 6.640, de 7 de novembro de 2008, art. 1º, parágrafo único, define cavidade natural subterrânea como “todo e qualquer espaço subterrâneo acessível pelo ser humano, com ou sem abertura identificada, popularmente conhecido como caverna, gruta, lapa, toca, abismo, furna ou buraco, incluindo seu ambiente, conteúdo mineral e hídrico, a fauna e a flora ali encontrados e o corpo rochoso onde os mesmos se inserem, desde que tenham sido formados por processos naturais, independentemente de suas dimensões ou tipo de rocha encaixante”.
As cavernas surgem em diversos tipos de rocha, como arenito, granito, quartzito, gnaisse, formações ferríferas e outros. No entanto, 90% delas originam-se em rocha calcária, sendo a dissolução pela água o principal elemento formador dessas cavernas.
As cavernas calcárias, também denominadas cársticas, destacam-se não apenas pelo número, mas também pela profusão e beleza dos espeleotemas e pela maior diversidade biológica. É nessas cavidades que ocorrem os mais belos espeleotemas – formações resultantes da deposição mineral nas paredes, no teto e no chão das cavernas, entre os quais os famosos estalactites e estalagmites e, ainda, as helictites, as cortinas, as represas de travertino, as pérolas de caverna, os canudos, os cálices, as flores de calcita, gipsita ou aragonita, os cabelos de anjo, as agulhas, os dentes de cão e os vulcões.
As cavernas são ecossistemas muito peculiares, cuja distribuição de espécies está relacionada com os fatores físicos e com a disponibilidade de nutrientes. São ambientes muito mais estáveis que o meio exterior, em relação à temperatura e à umidade relativa do ar, mas essa estabilidade não é contínua em toda a sua extensão.
Assim, as entradas da gruta, o ambiente mais próximo do exterior, com incidência direta e indireta de luz, abrigam animais que visitam a caverna, mas não têm seu ciclo de vida circunscrito a ela. Adentrando-se a caverna, a luz vai reduzindo-se até se tornar completamente ausente. Nos primeiros estágios, a temperatura e a umidade ainda são variáveis, em função das correntes de ar entre os meios interior e exterior. Aí vivem animais que não são exclusivamente cavernícolas, mas que utilizam cavernas em fases de seu ciclo de vida.
Entretanto, nos segmentos mais distantes da entrada, o ambiente torna-se estável, a temperatura é constante e amena e a umidade relativa do ar é elevada. Aí vivem os animais verdadeiramente cavernícolas, que têm seu ciclo de vida completo nas cavidades subterrâneas, denominados troglóbios. Esses prisioneiros das cavernas são adaptados ao ambiente sem luz e com baixa disponibilidade de alimento.
Verifica-se, assim, que os ecossistemas cavernícolas têm grande importância ecológica, sendo ambientes propícios ao surgimento de espécies endêmicas, isto é, que ocorrem somente naquele lugar. Portanto, a destruição de uma caverna, em grande parte das situações, dificilmente poderá ser compensada, do ponto de vista biológico, pela conservação de outro sítio.
Devemos esclarecer, ainda, a importância das cavernas para a paleontologia e a arqueologia. A proteção proporcionada pelo teto, a ausência de luz e de raízes de plantas e as condições alcalinas do solo e da água transformam as grutas em ambientes muito favoráveis à conservação dos fósseis, tornando-as depósitos paleontológicos e arqueológicos muito mais ricos que os de superfície. Foi nas cavernas do vale do rio das Velhas, em Minas Gerais, que Peter Lund realizou os primeiros trabalhos dessa natureza no Brasil, nas décadas de 1830 e 1840, descobrindo fósseis dos antigos mamíferos que habitaram a América do Sul, como a preguiça e o tatu gigantes, ursos, cavalos e o tigre de dente de sabre. As cavernas têm sido promissoras também para os estudos da pré-história sul-americana, pela descoberta de fósseis humanos, artefatos, túmulos e pinturas rupestres.
Apesar de sua grande importância natural e cultural, as cavidades naturais subterrâneas estão sujeitas a pressão pelas atividades de mineração e turismo desordenado. A mineração causa a total destruição desses ecossistemas. O turismo é uma atividade promissora num país rico em cavernas como o Brasil e possibilita contemplação, aventura e a prática de esportes, como atividades verticais, mergulho e flutuação. Porém, quando praticado sem os cuidados devidos, promove a degradação dos espeleotemas e inscrições rupestres, a deposição de lixo, a compactação do solo e a alteração da biota.
Além disso, ainda conhecemos muito pouco esse importante patrimônio. Segundo dados levantados em 2008 pelo Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (CECAV), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Brasil possui 6.040 cavernas identificadas, com dados de localização sistematizados, o que pode representar menos de 10% das cavernas do País. Quase a metade do patrimônio conhecido situa-se na Região Sudeste, especialmente no Estado de Minas Gerais, mas, com o avanço das técnicas de geoprocessamento, o número de cavernas conhecidas está aumentando também em outras regiões. O Cecav avalia que as regiões com potencial espeleológico extenso e muito alto abrangem os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia, Goiás, Tocantins, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Além de conhecer pouco o seu potencial espeleológico, o Brasil carece de informações sobre as cavernas já identificadas, em especial acerca de sua biodiversidade. É elevado o número de espécies novas descobertas a cada ano nesses ambientes.
Os pesquisadores alertam que a única forma de garantir a conservação das cavidades naturais subterrâneas e das riquezas que elas encerram é conservar o conjunto que engloba a caverna e o meio circundante, tendo em vista que a comunidade interior depende dos recursos alóctones.
A proteção desses ecossistemas peculiares sempre foi regida por instrumentos infralegais, quais sejam: as Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nºs 5, de 6 de agosto de 1987, e 347, de 10 de setembro de 2004, e o Decreto nº 99.556, de 1º de outubro de 1990.
A Resolução nº 347/2004, que “dispõe sobre a proteção do patrimônio espeleológico”, revogou a Resolução nº 5/1987 e estabeleceu diversas medidas, entre as quais a instituição do Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (CANIE), cuja gestão estava a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e, atualmente, do ICMBio, e normas sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos capazes de degradar a caverna e sua área de influência.
O Decreto nº 6.640/2008, objeto do Projeto de Decreto Legislativo em análise, altera o Decreto nº 99.556/1990 e promove grande retrocesso das normas de proteção das cavernas, pois, segundo a SBE, sua aplicação poderá causar a destruição de mais de 70% das cavernas brasileiras.
Confrontando-se o Decreto nº 6.640/2008 com o Decreto nº 99.556/1990 antes de sua modificação, verifica-se que a versão original dava às cavidades naturais subterrâneas o caráter de patrimônio cultural brasileiro, a ser preservado e conservado para fins científicos, espeleológicos, turísticos, recreativos e educativos. Segundo o art. 2º do mesmo Decreto, o uso das cavernas e de sua área de influência não poderia romper sua integridade física e o equilíbrio ecológico desses ecossistemas.
Some-se a isso o fato de que o Decreto nº 99.556/1990, art. 3º, exigia a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental para as ações ou os empreendimentos previstos em áreas de ocorrência de cavernas ou de potencial espeleológico que pudessem ser lesivos a elas. A implantação do empreendimento ficava condicionada à aprovação do Relatório de Impacto Ambiental pelo órgão ambiental competente.
Constata-se que, originalmente, o Decreto nº 99.556/1990 implicava a preservação integral de toda e qualquer caverna e impossibilitava, por exemplo, o seu uso para mineração ou o alagamento da área para fins hidrelétricos. O licenciamento seria possível somente para atividades turísticas, religiosas ou de qualquer outra natureza, desde que fossem conciliáveis com a proteção integral do ambiente cavernícola. Ainda que essas medidas generalizadas de preservação não se consolidassem na prática, a mineração era dificultada devido à exigência de consulta prévia ao Ibama, em cavernas consideradas relevantes.
Inversamente, o Decreto nº 6.640/2008 retirou praticamente todas as normas protetivas das cavernas que não sejam consideradas de relevância máxima. Em primeiro lugar, porque suprimiu o caráter de patrimônio cultural brasileiro desses sítios. O art. 1º do Decreto, em sua versão atual, apenas determina que elas sejam protegidas de modo a permitir a pesquisa e as atividades de cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, recreativo e educativo.
O atual art. 2º determina que as cavernas sejam classificadas de acordo com seu grau de relevância, em escala que varia entre máximo, alto, médio ou baixo, com base em atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos. Para classificação das cavernas, esses atributos deverão ser analisados considerando-se o enfoque regional, que engloba um grupo de cavernas, e o local, que leva em conta a caverna isolada e sua área de influência. O mesmo art. 2º preceitua que a área de influência é definida caso a caso, com base em estudos técnicos sobre a cavidade natural subterrânea.
O atual art. 2º, § 4º, define o que sejam as cavidades naturais subterrâneas de relevância máxima, assim entendidas aquelas que possuam pelo menos um dos seguintes atributos: gênese única ou rara; morfologia única; dimensões notáveis em extensão, área ou volume; espeleotemas únicos; isolamento geográfico; abrigo essencial para a preservação de populações geneticamente viáveis de espécies animais em risco de extinção, constantes de listas oficiais; habitat essencial para preservação de populações geneticamente viáveis de espécies de troglóbios endêmicos ou relictos; habitat de troglóbio raro; interações ecológicas únicas; cavidade testemunho, ou destacada relevância histórico-cultural ou religiosa.
O art. 3º determina que as cavernas com grau de relevância máximo e suas respectivas áreas de influência não podem ser objeto de impactos negativos irreversíveis. O uso dessas cavernas está condicionado à manutenção de sua integridade física e do seu equilíbrio ecológico.
As cavernas de relevância alta, média ou baixa são classificadas de acordo com a importância de seus atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos, levando-se em conta os enfoques regional e local. A importância dos atributos é qualificada em acentuada, significativa ou baixa.
É de ressaltar a subjetividade inerente à análise da importância dos atributos das cavernas nos graus acentuado, significativo ou baixo, análise esta a ser feita em duas escalas distintas (regional e local). O detalhamento dessa complexa metodologia foi feito por meio da Instrução Normativa (IN) nº 2, em 26 de agosto de 2009, do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Ao contrário da versão original do Decreto nº 99.556/1990, que determinava a preservação de todas as cavernas, a versão alterada pelo Decreto nº 6.640/2008 garante a preservação automática somente das cavernas de relevância máxima. De acordo com o art. 4º atual, literalmente, as cavernas com grau de relevância alto, médio ou baixo podem sofrer impactos negativos irreversíveis, ou seja, ser destruídas integralmente.
Assim, depende de prévio licenciamento pelo órgão ambiental competente a implantação de todo empreendimento que possa, efetiva ou potencialmente, causar poluição ou degradação de cavernas e de sua área de influência (art. 5º-A). Mas as cavernas com grau de relevância alto e médio poderão sofrer impactos irreversíveis, desde que o empreendedor assuma certas medidas compensatórias definidas no processo de licenciamento ambiental. O empreendedor poderá destruir uma caverna de alta relevância, se assumir o compromisso de garantir a preservação de outras duas. Poderá destruir cavernas de média relevância, desde que contribua para a conservação do patrimônio espeleológico brasileiro de forma genérica. E, para os que destruírem cavernas consideradas de baixa relevância, não há qualquer obrigação em relação à proteção das cavernas do Brasil.
Acrescente-se que, como as cavernas são ambientes com alto grau de endemismo e dotados de espécies adaptadas a condições restritas de sobrevivência, o Decreto nº 6.640/2008 pode, assim, estar desde já autorizando a destruição de espécies novas, raras ou endêmicas. Como, então, compensar a destruição de uma caverna com a conservação de outra? Não há como garantir essa equivalência. E, ainda que certas espécies possam estar representadas em outras cavidades subterrâneas, a perda biológica será grave, tendo em vista o pequeno número de espécimes que muitas vezes caracteriza as populações de espécies cavernícolas.
Agrava ainda mais o fato de que o grau de relevância da caverna é avaliado no processo de licenciamento pelo órgão ambiental competente (art. 5º-A, § 1º). Não há previsão de levantamentos e estudos prévios sobre as cavernas.
De acordo com a recente Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, o licenciamento ambiental compete, genericamente, ao Estado (art. 8º, XIV). Atribui-se à União o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, entre outras situações, localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; em terras indígenas; em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); em dois ou mais Estados; e de caráter militar (art. 7º, XIV). O licenciamento ambiental cabe ao Município quando o empreendimento ou atividade causar impacto ambiental de âmbito local e quando se localizar em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em APAs (art. 9º, XIV).
Portanto, os aspectos que determinam quem é responsável pelo licenciamento são a localização e as características do empreendimento. O fato de o empreendimento situar-se em área com cavidades naturais subterrâneas não consta, na Lei Complementar 140/2011, como critério para indicar o Ente da Federação a quem compete licenciar. Pergunta-se, então, no caso de um empreendimento de impacto local, licenciável pelo Município, terá ele estrutura institucional para avaliar o grau de relevância de uma caverna?
O próprio Decreto nº 6.640/2008 admite que os estudos que nortearão a classificação de uma caverna podem não oferecer dados definitivos para tanto, ao preceituar que as cavernas poderão ser reclassificadas mediante fatos novos comprovados por estudos técnico-científicos, tanto para nível superior quanto inferior (art. 2º, § 9º).
Ora, qual é a segurança efetiva do processo de licenciamento ambiental, se a classificação da caverna pode ser revista? No caso de estudos que venham a comprovar a relevância máxima de uma caverna que tenha sido inicialmente considerada de relevância alta, média ou baixa, qual a utilidade de rever essa classificação se, após o licenciamento ambiental, o processo de destruição entra em curso? Haverá possibilidade de impedir a construção de uma hidrelétrica e o alagamento da área, por exemplo? Ou terá importância sustar a exploração de uma caverna que já tenha sido parcialmente destruída pela exploração mineral? E, no caso de reclassificação de uma caverna de relevância baixa para média ou alta e de média para alta, haverá a possibilidade de obrigar o empreendedor a comprometer-se com novas medidas compensatórias depois que o órgão ambiental já licenciou sua atividade?
Além disso, se as cavernas constituem bens da União, conforme art. 20, X, como poderão Estados e Municípios licenciar empreendimentos que incidam sobre elas, se o Decreto permite a destruição daquelas que são de relevância alta, média e baixa? Como poderão os Estados, o Distrito Federal e os Municípios licenciar empreendimentos capazes de destruir bens da União?
Tomemos como exemplo um edifício que pertença à União. Certamente, os Municípios ou o Distrito Federal podem estabelecer normas urbanísticas e edilícias, as quais a União deverá observar, na construção e gestão do prédio. No entanto, poderiam os Municípios ou o Distrito Federal determinar, por exemplo, a implosão do prédio? Aplicando-se o mesmo raciocínio ao patrimônio espeleológico brasileiro, conclui-se que somente a União, por meio do Ibama, poderá licenciar atividades potencialmente causadoras de degradação às cavernas, conforme previa originalmente o decreto, pois, nesse caso, a gestão ambiental do bem implica decidir sobre a permanência ou a destruição do bem como um todo.
Acrescente-se, finalmente, que o Decreto nº 6.640/2008 é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.218, requerida pelo Procurador-Geral da República e protocolada em 10 de março de 2009.
Entendemos, portanto, que as alterações promovidas pelo Decreto nº 6.640/2008 ao Decreto nº 99.556/1990 modificaram completamente os princípios que norteiam a política de conservação de cavernas, as quais eram muito restritivas, na versão original do decreto, e passaram a muito pouco protetivas, na versão atual. Consideramos, ainda, que o Poder Executivo invadiu a competência legislativa do Congresso Nacional, prevista no art. 24 da Constituição Federal, no que se refere a “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição” (inciso VI) e sobre “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico” (inciso VII).
Em vista desses argumentos, somos pela aprovação do Projeto de Decreto Legislativo nº 1.138/2008.
Sala da Comissão, em de maio de 2012.
Deputado ANTÔNIO ROBERTO
Relator
Fonte: Câmara dos Deputados
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