MANIFESTO DO GPME EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE

Nós, do Grupo Pierre Martin de Espeleologia (GPME), somos uma entidade civil, sem fins lucrativos, fundada em 19 de março de 1987, com o objetivo de promover o levantamento, mapeamento e documentação das cavidades naturais subterrâneas (cavernas, grutas, tocas, furnas e demais sinônimos regionais), por meio de ações totalmente voluntárias e colaborativas que resultam na geração de dados e informações textuais, cartográficas e fotográficas, com o propósito de dar suporte às iniciativas públicas e privadas visando sua conservação bem como do seu entorno socioambiental.

O GPME tem por objetivo estatutário contribuir para o meio ambiente enquanto bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, colaborando para o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na defesa e preservação deste para as gerações presentes e futuras, como recomenda o art. 225 da Constituição Federal de 1988. Por esse motivo, nós somos partícipes, colaboradores e apoiadores das lutas socioambientais de modo geral, além, é claro, da defesa e proteção dos ambientes subterrâneos de forma específica.

Em 22/10/18, durante o processo eleitoral, nós chamamos a atenção da sociedade para eventuais ameaças[1] à Política Ambiental Brasileira e, já naquele momento, à anunciada e agressiva reorientação do Estado em relação a esse tema, o que veio a se confirmar nesses primeiros meses do governo eleito. Por esse motivo, queremos, com este documento, expressar a nossa indignação e o nosso repúdio às ações praticadas pelo atual governo federal e por seus apoiadores, especialmente pelas pessoas do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do meio ambiente Ricardo Salles, condenado em primeira instância por improbidade administrativa quando Secretário do Meio Ambiente de São Paulo[2].

Ambos têm cotidianamente agido e se manifestado a respeito, desde a campanha eleitoral, alegando que a legislação ambiental e as áreas protegidas do país são “obstáculos” ao desenvolvimento econômico, chamando de “abusivas” as ações de fiscalização ambiental, desqualificando os profissionais ligados aos órgãos governamentais do SISNAMA, contribuindo direta e/ou indiretamente para as queimadas na Amazônia, a partir de ações deliberadas, convocadas por proprietários rurais e milicianos, como a que teve início em 10/08/19, com o “Dia do fogo” que se estende até os dias atuais, avançando sobre outros biomas como o Cerrado e o Pantanal. O desmonte do aparato de fiscalização e de combate às práticas ilegais comprometeu a providência efetiva de prevenção, combate, repreensão e criminalização, reforçando as intenções e convicções políticas do atual governo.

Entendemos que tais ações deliberadas são respostas diretas da parte nociva do setor agropecuário ao conjunto de sinais representado pelos comentários irresponsáveis e indignos de um chefe de Estado bem como pelos pronunciamentos oficiais e pelas decisões executivas do presidente eleito e de sua equipe, em especial o ministro Salles, tais como:

  • Transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pela MP 870/19;
  • Exoneração, pela Portaria 1006/19 do IBAMA, do servidor José Olímpio A. Morelli, fiscal que, em 2012, multou o então deputado Jair Bolsonaro por pescar em área protegida, no litoral de Angra dos Reis-RJ;
  • Criação do Núcleo de Conciliação (de multas) Ambiental, pelo Decreto 9760/19;
  • Extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas, pelo Decreto 9672/19;
  • Delegação do Licenciamento Ambiental aos níveis estadual e municipal do SISNAMA, pela IN 08/19 do IBAMA;
  • Extinção do Conselho das Cidades, Comitê Interministerial sobre Mudanças Climáticas, Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e do Comitê Orientador do Fundo Amazônia, pelo Decreto 9759/19;
  • Estabelecimento de anuência prévia à supressão de vegetação primária/secundária nos estágios médio/avançado de regeneração sob a Lei Federal 11.428/06, pela IN 09/19 do IBAMA;
  • Esvaziamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (redução de 96 para 23 integrantes), mantendo apenas 4 representantes da sociedade civil, além da extinção de diversos conselhos participativos relacionados a temas da Política Ambiental e extinção da Câmara Especial Recursal, 9806/19;
  • Liberação do leilão de blocos de petróleo na Bacia Camamu/Almada, próximo a Abrolhos-BA, pelo ofício 2070/19/MMA;
  • Exoneração do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Também, entendemos que o comportamento do presidente e de sua família, assim como dos seus ministros, especialmente do meio ambiente e agricultura sinaliza o relaxamento no trato sobre as questões ambientais, tais como:

  • Liberação de mais de 325 agrotóxicos, antes considerados perigosos;
  • Visita de Ricardo Salles e Tereza Cristina, em fevereiro de 2019, em área de produção de Organismos Geneticamente Modificados na Terra Indígena Utiariti, noroeste de Mato Grosso, atividade realizada por arrendatários brancos, embargada pelo IBAMA por ser essa prática proibida pela Lei 11.460/07;
  • Politização das decisões sobre as multas ambientais aplicadas aos infratores e instituição do Decreto 9.760, de 11/04/2019, impondo, segundo especialistas, uma anistia anunciada às infrações ambientais, por intermédio dos núcleos de conciliação;
  • Apontamento, por Ricardo Salles, de “inconsistências” no Fundo Amazônia, causando constrangimento diplomático com Noruega e Alemanha que contribuíam com cerca de 3 bilhões de reais para a implementação de ações ambientais na Amazônia brasileira e interromperam a destinação de recursos financeiros ao Fundo;
  • Insinuação sobre “irregularidades e excessos de gastos” em contratos de locação de viaturas do IBAMA;
  • Ameaças e punição aos fiscais que, no exercício de suas funções, aplicaram multas ditas “inconsistentes”, em um claro ato de assédio moral;
  • Desrespeito à autonomia das autarquias, praticando ingerência sobre assessorias de comunicação do IBAMA e ICMBio;
  • Exoneração de 21 dos 27 superintendentes do IBAMA, sem nomeação de novos superintendentes, em portaria publicada no Diário Oficial de 28/02/19;
  • Hostilização de servidores do Parque Nacional da Lagoa do Peixe/RS, determinando instauração de Processo Administrativo Disciplinar pelo não comparecimento deles a um evento não oficial. Posteriormente o diretor do parque foi exonerado;
  • Determinação ao IBAMA para arquivamento de diversos processos contra a plantação irregular de soja em áreas protegidas por lei federal, nos chamados Campos de Altitude, na Mata Atlântica, na região de Lages (SC). Um dos autos de infração cancelado equivale a uma multa de R$ 1,2 milhão;
  • Nomeação, sem atender aos requisitos do Decreto 9717/19, de amigos para cargos no MMA e autarquias;
  • Militarização do MMA e das autarquias vinculadas ao órgão;
  • Retirada, dos portais de internet, dos dados e informações de áreas de conservação de biomas;
  • Corte, sem justificativa, de 24% do orçamento do IBAMA;
  • Acusação deliberada aos órgãos públicos e autarquias de ineficiência quanto à questão ambiental, em especial o monitoramento desenvolvido pelo INPE;
  • Proposta de contratação de um novo sistema de monitoramento para a Amazônia, após acusação de ineficiência, para substituir especificamente os programas PRODES, ativo desde 1988, e DETER, desde 2004, ambos considerados como referências nacional e mundial na medição da degradação florestal amazônica; entre outros, sem comprovação da real necessidade.

Devido a essas e tantas outras demonstrações de desrespeito e desprestígio da temática ambiental, dos profissionais da área, dos cientistas e das organizações, da sociedade civil, não governamentais, consideramos as ações praticadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, com o apoio e/ou conivência de sua equipe, uma clara e evidente ameaça ao presente e ao futuro das históricas conquistas ambientais da sociedade brasileira.

Compreendemos que as ações desses políticos, além dos atos já deflagrados, como os observados a partir de 10/08/19, produziram um “efeito cascata” nos demais domínios vegetais (Cerrado, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica, etc.), já que esses não gozam do mesmo status de conhecimento nacional e internacional atribuído à Amazônia.

Com base no exposto, manifestamos o nosso total repúdio às ações degradadoras que vem ocorrendo na Amazônia e nos diversos biomas, considerando que essas foram decorrentes da política de Estado irresponsável do presidente Bolsonaro e de toda a sua equipe, em especial o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles. Assim como repúdio aos ataques do governo às lutas das comunidades indígenas, quilombolas e demais reivindicações identitárias com as quais somos solidários.

Juntamos nossa voz à mobilização das instituições democráticas, alinhadas aos movimentos que insurgem nos vários países do mundo, posicionadas contrariamente às decisões institucionais e ao comportamento pessoal irresponsável daqueles que deveriam zelar pela boa gestão dos recursos ambientais para todos e não apenas para os que desejam estabelecer seus interesses puramente mercadológicos a qualquer custo.

Cordialmente,

Grupo Pierre Martin de Espeleologia

São Paulo, 23 de setembro de 2019


[1] www.blog.gpme.org.br/?p=8818

[2] www.oeco.org.br/noticias/procuradores-pedem-a-justica-que-ricardo-salles-deixe-de-ser-ministro/

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